Um espanhol de
nome José Porro, denominado “Homem-Locomotiva”, se dizendo o mais veloz do mundo,
apareceu na Laguna para se apresentar em nossas ruas e praças, em corridas a pé
e de bicicleta. Foi desafiado por alguns jovens aqui da cidade Juliana. Quem seriam
os vitoriosos na disputa? O lagunense ou o “Homem-Locomotiva”? É o que leremos
a seguir:
No início do século XX poucas eram as atrações aqui na Laguna dirigidas
ao povo.
As peças apresentadas no Teatro 7 de Setembro e os bailes em clubes eram
frequentados por uma elite.
Para o Zé povinho havia os circos que ocasionalmente por aqui passavam;
corridas de cavalos no Campo de Fora e Magalhães, festas religiosas e suas
quermesses, retretas gratuitas nas praças e ruas executadas pelas Bandas União
dos Artistas e Carlos Gomes, quebra-potes, pau de sebo, corridas em saco, bazar
de prendas e, sem dúvida, anualmente o carnaval de rua, com seus entrudos,
blocos e limões de cheiro, no que foi sempre uma festa popular.
Novidades também aqui aportavam, vindas diretamente do Rio de Janeiro,
então capital federal ou de Florianópolis.
Objetos e os últimos lançamentos em costumes e moda eram para cá
trazidos pelos ricos comerciantes e armadores para vestir seus familiares.
O homem mais
rápido do mundo chegou à Laguna
No início de dezembro de 1904 aqui chegou um andarilho, o espanhol José
Porro, dizendo-se o homem mais rápido do mundo.
Já havia percorrido e se apresentado em inúmeras cidades e ninguém o
havia superado em velocidade nas corridas, a pé ou em bicicleta.
O jornal “O Comércio”, de 4 de dezembro de 1904, de Saul Ulysséa,
editado em nossa cidade, diz que o espanhol vinha de Jaguaruna, onde havia se
apresentado.
Naqueles recuados anos nada era mais rápido do que o trem. Bem por isso,
seu mote promocional não poderia deixar de ser: “HOMEM-LOCOMOTIVA”.
Jornal "O Comércio" de 11 dezembro de 1904. |
Propagandeava que percorria quarenta quilômetros em uma hora.
E desafiava
contendores.
Naquela tarde a rua Gustavo Richard encheu-se de populares para
presenciar o espetáculo. Comerciantes, marinheiros, políticos, imprensa e
demais curiosos postaram-se ao longo da via, numa beira-mar ainda sem o cais de
granito.
Todos queriam testemunhar a novidade e comprovar com os próprios olhos
se o homem era mesmo veloz, como afirmava.
Seu desafiante na corrida de bicicleta foi Alcino Dutra que, apesar dos esforços,
acabou em segundo lugar.
Palmas, assovios e vivas para o “Homem-Locomotiva”.
"O Comércio" diz que "Após o percurso, José Porro não mostrava o menor cansaço, respirando tranquilamente".
Por dedução, Alcino Dutra devia estar com a língua de fora "apesar dos esforços"...
Um busca-pé
em busca de um...pé
Mas, um espírito de porco, que esses sempre os há, em qualquer tempo e
lugar, aproveitou a ocasião e o ajuntamento no local para soltar um foguete
busca-pé.
Foi um deus-nos-acuda. Correria, gritos, xingamentos, com a multidão
dispersando-se para todos os lados da rua Gustavo Richard.
Certamente houve quem corresse mais que o artista que estava se
apresentando. Também pudera, com o foguete no encalço das canelas, quem não
correria? Mas ninguém cronometrou o tempo, portanto...
O jornal “O Albor” na edição seguinte registrou o fato e lamentou o
incidente, com a seguinte manchete:
Jornal O Albor de 11 de dezembro de 1904. |
Imprudência:
“Na ocasião em que o andarilho sr. Porro corria na rua Coronel Gustavo
Richard, foi imprudentemente lançado sobre um grupo de pessoas que assistia à
corrida, um busca-pé, que, felizmente, não produziu as más consequências que essas
irrefletidas brincadeiras muitas vezes trazem”.
Em seguida o jornal anunciava uma nova corrida para o próximo domingo.
Dito e feito.
Jornal O Albor de 23 de dezembro de 1904. |
Mas aí começou a chover e o povo aglomerado no local mandou o espanhol
parar, afinal não iam ficar encharcados presenciando a apresentação. Ele
concordou.
E escreve mais uma vez o redator do “O Albor”, que como vemos,
acompanhava atentamente as apresentações:
“Devido à chuva e aos protestos do povo, que bradava Para! Para!, o
incansável campeão não concluiu a corrida, para cujo termo faltava dez minutos.
O sr. José Porro deu no espaço de 50 minutos 42 duas voltas em redor
d’aquela praça, que mede 270 metros, tendo, portanto, corrido 9.940 metros”.
50 minutos= 9.940 metros. Bem longe, portanto dos 40 quilômetros em 60 minutos que ele tanto se gabava.
Providencial chuva...
Lagunenses
desafiam o “Homem-Locomotiva”
Alguns jovens lagunenses, movidos pelo desafio da velocidade que ora se
apresentava e certamente meio que enciumados pelo sucesso do atleta perante o
público, em especial o feminino de gentis senhoritas da nossa melhor sociedade, apostaram com o campeão espanhol
uma corrida para as seis da tarde da sexta-feira seguinte, desta vez com a utilização
de bicicletas.
Desafio aceito.
Lembrando que, conforme pesquisadores, a bicicleta chegou a São Paulo em
1894. Portanto, dez anos depois bicicletas já faziam parte do cotidiano da
nossa Laguna.
Viu como estávamos por dentro das modas?
Durante a semana não se falou em outra coisa na Laguna.
No dia e hora marcados – desta vez sem chuva - a multidão era enorme na
Praça. Houve quem tenha se arrancado dos arrabaldes do Magalhães e Campo de
Fora para exclusivamente assistir a peleja.
O redator de “O Albor” sempre muito bem atualizado (terá sido o seu
Tonico Bessa?) anotou lá em seu caderninho, o título:
Corrida:
“Brilhantemente disputada pelos respeitáveis ciclistas Manoel Pinho
Netto, Luiz da França Fonseca, Manoel Custódio de Bessa e Arlindo Pires,
realizou-se na Praça Conselheiro Mafra (hoje República Juliana), a corrida
anunciada pelo andarilho sr. José Porro, cujas condições eram-se dar 60 voltas àquela
praça no espaço de um hora.
A corrida durou apenas 50 minutos, vencendo em primeiro lugar, o
ciclista Manoel Pinho Netto, que deu 65 voltas e em 2º o sr. Porro, que deu 60.
Não obstante ter sido vencido, o andarilho nada sofreu em seu valor de
corredor emérito, pois que, além de ter por contendores ciclistas de respeito, correu sempre com igual velocidade”.
Jornal O Albor 30 de dezembro de 1904. |
O jornal “O Comércio” também aliviou, dizendo que “Apesar de vencido,
ele corre sempre e com a mesma velocidade horas seguidas e é esse todo o seu
mérito”.
Humm... Não sei não.
Acho que o “Homem-Locomotiva” havia sido é desmoralizado na corrida de
bicicleta. E por um lagunense!
Viva! Viva! Manoel Pinho Netto! A honra tinha sido lavada por um valente
ciclista da terra, montado em sua possante bike.
Alguém deve ter soltado alguns foguetes para comemorar a façanha. Do
jeito que essa terra é fogueteira...
Mas busca-pé não teve mais.
O jornal depois disso não aborda mais o assunto – sobre perdedor ninguém
fala, é sempre assim -, mas é bem provável que o sr. José
Porro, envergonhado, tenha tomado o primeiro vapor no porto e
chispado dessas bandas.
Lá foi embora o “Homem-Locomotiva” correr em novas praças e pistas, levando seus
desafios e suas performances por este Brasil afora.
No ano seguinte, em julho de 1905 o jornal "Correio da Manhã" registrou
sua ilustre presença em corridas no Rio de Janeiro.
O homem ia longe...
Interessante. E engraçado.
ResponderExcluirGeraldo de Jesus
Laguna já tinha bicicletas em 1904. Que beleza. E em São Paulo só 10anos antes. Estávamos na vanguarda mesmo.
ResponderExcluirO que era a nossa cidade e o que ê hoje...
Geraldo de Jesus