Em
5 de outubro de 1919, em matéria de capa, o jornal O Albor trouxe extenso
trabalho de pesquisa do médico Aurélio Rotolo, que esteve na linha de frente na
Laguna, contra a gripe espanhola.
Com
o título “Boletim Médico – Teremos outra
epidemia de Influenza?”, o médico aconselha, faz recomendações de
profilaxia e tranquiliza a população lagunense, alarmada com o aparecimento de
novos casos de gripe.
Um Boletim Médico publicado por um profissional da saúde há mais de um século, mas que poderia ser reproduzido tranquilamente nos dias atuais, com poucas alterações.
Um Boletim Médico publicado por um profissional da saúde há mais de um século, mas que poderia ser reproduzido tranquilamente nos dias atuais, com poucas alterações.
Saliente-se
seu nível de atualização com as últimas descobertas no campo da medicina, não
só do Brasil, mas dos grandes centros médicos europeus e da América do Norte.
Um
médico da Laguna há mais de 100 anos e já recomendando utilização de máscaras
contra gripe e isolamento social.
O
médico Aurélio Rotolo chegou à Laguna em 1914, tornando-se médico municipal. Em
1930 pediu demissão e se transferiu de nossa cidade. Em 1951, seu filho médico
Aurélio Pinho Rotolo passou a atender em nossa cidade, até a sua aposentadoria.
Pelo
valor histórico do documento o reproduzo nesta página, apenas com a ortografia
atualizada.
Boletim Médico
Teremos outra
epidemia de Influenza?
Por
Aurélio Rotolo
“A passagem brusca do período invernal
para o da primavera produz quase sempre nos indivíduos mais predispostos, resfriamentos,
formas catarrais, constipações, leves bronquites, etc.
É um fenômeno mórbido este que sempre
caracterizou a entrada das estações mais rígidas, como o inverno, o outono e a
primavera, e todos estamos já acostumados a considerar estes resfriamentos ou
constipações como formas banais de influenza que não merecem especial cuidado
ou tratamento.
Infelizmente a última pandemia do ano
passado ensina-nos a não ter mais essa tranquilidade e esse descuido, pois é sabido
que a maior parte dos casos fatais, do ano findo, foi, justamente devido à essa
incúria e à crença de que os distúrbios das gripe não tinham grande
importância.
Os primeiros casos de constipação,
resfriamentos, com tosse, etc. já estão aparecendo em Laguna, por isso acho meu
dever chamar a atenção de todos sobre esse provável perigo que pode nos
ameaçar.
Não digo, bem entendido, que a gripe
voltou à Laguna, quero apenas, levantar um grito de alarme, que faça com que
todos recobrem em cuidados e atenções a fim de evitar o aparecimento e a
propagação da epidemia.
É útil, de fato, saber-se que
geralmente a influenza nunca desaparece por completo de uma localidade atacada,
pois, acontece, que após um certo período, a moléstia, que tinha ficado como
que em estado de vida latente, por condições favoráveis de temperatura, ou por
repentinas mudanças atmosféricas, desperte desta sua letargia, produzindo outra
vez os seus efeitos deletérios.
Isto se deu na Europa no ano passado,
a onde foram deploradas três voltas da epidemia; a primeira em maio-junho, a segunda
em setembro-outubro, a terceira em janeiro-fevereiro.
Parece que a gripe só deixa em paz a
pobre humanidade, quando atacou de todo os seus indivíduos. Os que não adoecem,
são, por natureza, refratários.
Por quanto os médicos de todo o mundo
civilizado estivessem estudado a gripe sob todos os pontos de vista, ainda a
última palavra não foi dita sobre a definitiva patogênese da doença, pois o
bacilo da Pleiffler, que foi, durante muitos anos, considerado como o agente único
da moléstia, agora, após sérios estudos e muitas experiências, parece ter
perdido grande parte da sua importância, e os clínicos são mais favoráveis em
admitir a intervenção de um especial VÍRUS ainda
desconhecido, que em associação com outros micróbios, produziria a infecção
gripal grave culpada de ter vitimado muitos doentes na última pandemia.
Dada à natureza da gripe e o fato de
não estar completamente conhecido o agente produtor da enfermidade, não é possível
atuar uma profilaxia coletiva que tenha como resultado de impedir o seu
aparecimento ou propagação.
É, pois, somente sobre a profilaxia
individual que precisa insistir.
As medidas que cada um deve tomar são
sobejamente conhecidas, em todo caso não será inútil repeti-las:
É indispensável que sejam evitadas,
com o maior cuidado, todas as causas que favoreçam resfriamentos ou
constipações:
Se deixará, portanto, de frequentar os
clubes, os cinemas, as igrejas, de participar de procissões, de frequentar
casas de jogos e cafés, tendo cuidado de não expor-se, repentinamente, a
correntes de ar muito frio.
Qualquer cansaço excessivo, material
ou moral, pode prejudicar, pois o cansaço enfraquece os poderes gerais de
resistência individual.
A desinfecção da boca e da faringe,
que na última pandemia foi unanimemente aconselhada, é agora condenada pelos
clínicos mais respeitados, pois parece que essa prática provoca irritações e
afecções locais que podem até favorecer a entrada do VÍRUS. Pode ser útil
somente no momento no qual se fica exposto ao contágio ou logo depois.
É oportuno também lavar os olhos com
uma solução boricada tendo sido constatadas infecções de origem ocular.
Foi também aconselhado desinfetar o
pão passando-o sobre o fogo.
Uma boa medida que deu ótimos
resultados na Europa e América do Norte, para prevenir-se contra a gripe, sobre
tudo pelas pessoas que devem assistir um doente, é o uso de uma máscara, feita
com gaze estéril, que vai colocada sobre a boca e o nariz.
Mas um meio mais simples e mais útil
de defesa, consiste em convencer os doentes de cobrir a boca com um pano todas
as vezes que falam, tossem ou espirram.
Quanto a profilaxia medicamentosa
também não temos uniformidade de opiniões entre os médicos.
Alguns continuam pensando que o uso
cotidiano de 25 ou 30 gr. de quinino seja eficaz meio preventivo, outros
negam essa eficácia e chegam ao ponto de imputar ao uso do quinino o
aparecimento de formas graves de influenza. Em todo caso, pela opinião da maior
parte dos clínicos, o uso preventivo do quinino pode ser continuado sem prejuízo
e muitas vezes com vantagem.
Felizmente, mesmo que a gripe tivesse
que nos visitar, ainda uma vez, nunca ela poderá tomar as proporções
desoladoras da última pandemia, pois parece assentado que a influenza, como a
escarlatina, sarampo, coqueluche, etc. deixa no organismo que superou a doença,
uma imunidade que o põe ao seguro de adoecer da mesma enfermidade.
Isto foi observado na Europa nas
epidemias de outubro-novembro e de janeiro-fevereiro, nas quais os médicos e os
enfermeiros e os demais indivíduos que tinham sido acometidos pelo mal na
epidemia de maio-junho, mesmo tendo tratado milhares de gripados, muitos dos
quais gravíssimos, ficaram completamente imunes nestas duas últimas pandemias,
ou quando alguns deles adoeceram, a moléstia teve um decurso completamente
benigno.
Outra epidemia, portanto, nem de longe
se poderá assemelhar com a que assolou Laguna.
Mas nem por isso é desnecessário
prevenir-se contra o mal, pois quem conhece a gravidade das complicações que
podem acompanhar a gripe, avaliará, na sua real importância, os ligeiros
conselhos que endereço à população lagunense, no desejo vivo e sincero de ver a
nossa cidade absolutamente livre do terrível contágio”.
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