O
jornal O Albor não circulou na maior parte do ano de 1918. Bem por isso faltam
relatos jornalísticos semanais da epidemia e suas mortes, acontecida nos
últimos dias daquele ano.
Quando
o semanário lagunense retornou já estávamos em fins de janeiro de 1919.
Em
26 daquele mês, o jornal trouxe reportagem sobre o lamentável ocorrido,
sintetizando os principais fatos.
O
título da coluna na página 2 foi “A
pandemia da influenza – Considerações retrospectivas”.
Penso
que seja um documento histórico importante, um verdadeiro relatório sobre a
pandemia em nossa cidade e que melhor traduz o que aconteceu naqueles tristes
dias.
Ele
demonstra também, que em janeiro de 1919, o pior já tinha passado:
A pandemia da
influenza
Considerações retrospectivas
Jornal O Albor
de 26 de janeiro de 1919 – Pág. 2
“A calma e a tranquilidade voltaram
finalmente aos lares lagunenses.
Depois de tantos dias penosos, em que
tudo ficou abalado, como se um verdadeiro ciclone tivesse caído sobre a nossa cidade,
os corações mais desafogados tomam seu ritmo normal e os pulmões, quase que
comprimidos pela areia das notícias dolorosas recomeçam a respirar com maior
liberdade.
Não será inútil, agora, olhar
ligeiramente para este triste passado, e formarmos uma ideia do que foi esta
pandemia e como as nossas autoridades estaduais e municipais, desempenharam-se
de suas obrigações de administradores e de protetores da saúde pública.
Logo que as notícias da marcha da
epidemia, nas outras cidades, começaram a chegar à Laguna, as autoridades
locais não demoraram em tomar as primeiras providências.
Como era notório as nossas farmácias
não estavam preparadas para enfrentar tamanho problema
Nem era possível prever, com
antecedência, um tal flagelo, Mas mesmo assim, tinham feito abundantes pedidos
de remédios à casas do Rio, pedidos que não foram satisfeitos, se não depois de
alguns dias, quando já a epidemia grassava assustadoramente neste cidade.
O sr. Oscar Pinho, superintendente e o
sr. Antônio Bessa, 1º substituto em exercício, dirigiram-se imediatamente ao
ilustre governador do estado, por intermédio do nosso representante no
Congresso do Estado, coronel João Pinho, pedindo auxílio do governo para conter
à epidemia.
O dr. Hercílio Luz, sempre solícito em
atender ao apelo do povo, quando justo, prontamente declarou que Laguna podia
contar com os recursos que solicitava de seu governo.
Os srs. Oscar Pinho e Antônio Bessa,
diante da boa vontade do benemérito governador, telegrafaram ao doutorando
Manoel Pinho, filho do mesmo sr. Oscar, que estava no Rio, comissionado pela
Diretoria Geral da Saúde Pública, encarregando-o de arranjar uma certa
quantidade de remédios, mais urgentes, contra a gripe, o que o doutorando Pinho
obteve, gratuitamente, da Diretoria da Saúde Pública, remédios que aqui
chegaram quando as farmácias viam os seus estoques quase extintos.
Na mesma ocasião, com prévia
autorização do Exmo. Dr. Hercílio Luz, as referidas autoridades municipais
telegrafaram para o Rio de Janeiro no sentido de conseguir-se mais um médico,
que viesse prestar os seus serviços aos atacados do terrível mal.
Efetivamente, dias depois, em
companhia do doutorando Pinho, que espontaneamente e gratuitamente pôs-se ao
serviço da população, aqui aportava o dr. Ernesto Masi.
Outras remessas de medicamentos,
sempre devidas à iniciativa dos srs. Oscar Pinho e Antônio Bessa, obtidas por
intermédio do sr. Salvato Pinho, por conta dos srs. Pinho & Cia. Na
importância de algumas centenas de mil réis eram enviadas a esta firma, que os
cedia gratuitamente a todos que deles tivessem necessidade.
Trazendo para as colunas do nosso
jornal, estes fatos, que, aliás, estão no domínio público, não nos move outro
intuito que não o de tornarmos bem patente o modo porque agiram as nossas
autoridades, cujos atos foram tão injustamente censurados por indivíduos que,
ao menos em casos tais, deviam pôr de parte os seus interesses políticos e
deixar que a razão se manifestasse livremente.
A verdade é que – a vinda do dr.
Ernesto Masi e do doutorando Manoel Pinho, os medicamentos contra a gripe, a
instituição de um posto de socorro, a adaptação do Hospital de Caridade para
receber o maior número de gripados, nada, absolutamente nada se deve a esses
politiqueiros, que tanto mal vêm fazendo à nossa terra.
Os primeiros casos de gripe espanhola
foram constatados em 4 de novembro (1918), e já no dia seguinte é que chegaram
o dr. Masi e o doutorando Pinho. Existiam muitos doentes, quase todos ao cuidado
do dr. Aurélio Rotolo (pai), médico municipal.
Nesse dia foi o dr. Rotolo atacado
pela gripe.
Dali para diante o número de doentes
aumentou de modo absurdo, podendo-se garantir que dois terços (2/3) da população
da Laguna foi acometida do mal.
Vão nossos agradecimentos às Damas de
Caridade, essas incansáveis e dedicadas senhoras; aos membros da corporação
Tiro 137, aos ativos e briosos Escoteiros; às bondosas Irmãs de Caridade, quer
do Hospital, quer do Colégio; aos drs. Ismael Ulysséa, Aurélio Rotolo, Ernesto
Masi, doutorando Manoel Pinho e farmacêutico Tácito Pinho sempre prontos a acudirem
numerosíssimos enfermos; ao coronel João Pinho, Antônio Bessa, Saul Ulysséa,
padre Aurélio, José Pinto Varella, Major João Guimarães Cabral, Luiz Trindade,
Júlio Barreto, Boaventura Barreto,
Hildebrando Barreto, Luiz Bezerra, Horácio Rocha e todos outros que eram vistos
em toda praça prestando serviços, onde sua presença era reclamada e ao sr.
Júlio Boppré oferecendo diária e gratuitamente sessenta garrafas de leite aos
indigentes.
Ao dr. Ferreira Lima, digno Inspetor
de Higiene que, apesar das dificuldades que se viu cercado, nunca deixou de
atender prontamente qualquer pedido feito, levamos também os nossos
agradecimentos.
Ao dr. Hercílio Luz, a essa alma generosa,
a esse coração bondoso, a nossa gratidão pelo muito que fez em benefício da
nossa população.
Se, entre os nomes apontados alguém
nos escapou, esse que nos queira perdoar.
A nossa intenção é grafar os que
merecem. Não temos, em absoluto, com aqueles que prestaram serviços, o menor
propósito de magoar com a involuntária exclusão de seu nome”.
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