As tradições
nada mais são do que a ciência de um povo, cultura, hábitos, normas e doutrinas
que compõe o arcabouço de seu patrimônio imaterial, atravessando gerações.
Pois são as mais diversas as
tradições que o povo lagunense pratica ao longo dos anos, em relação ao seu
padroeiro Santo Antônio dos Anjos.
Uma delas é que, ao encerrar da festa, os devotos, pós-procissão, colhem as flores do andor. Uma verdadeira relíquia para os fiéis.
Uma delas é que, ao encerrar da festa, os devotos, pós-procissão, colhem as flores do andor. Uma verdadeira relíquia para os fiéis.
Outra tradição,
ainda amplamente praticada, é a colocação de bilhetinhos em nichos da imagem,
antes de ser conduzida ao altar-mor, alguns dias após as festividades.
De todos os
santos é bem provável que Santo Antônio seja o mais venerado.
Veio de
Portugal para o Brasil com fama de casamenteiro e por aqui se tornou também
conhecido.
Além de ser o
santo das causas perdidas, a quem o crente recorre no momento de desespero e de
procura, através do responso.
A paradinha do Santo
Outra tradição
que foi incorporada à cultura local, é a famosa paradinha da imagem do santo.
Dizem os
costumes que, se no dia da Procissão o santo der uma paradinha casual defronte
a uma casa e nela estiver uma moça solteira, é batata. Casamento na certa, e em
breve.
E que ninguém
duvide, porque atestam os mais antigos que Santo Antônio dos Anjos já operou
verdadeiros milagres por essas bandas, “desencalhando” muitas titias que já
eram dadas como casos perdidos.
No entanto, há
um porém: se o santo desse a paradinha e não houvesse moça com vistas a matrimônio,
morreria uma pessoa ali residente.
Imaginem a
torcida. Ou não.
Bem por isso,
contam os mais antigos da Laguna, que casais de mais idade ou que não tinham
filhas, convidavam sobrinhas, parentes ou moças conhecidas para se postarem nas
janelas de suas casas.
Uma forma de
fugir a presságios, digamos, funestos. Como se alguém pudesse ludibriar o
santo...
O Toc-Toc-Toc na porta da igreja
Outra tradição
que ainda se perpetua nos dias atuais, se dá por volta da meia-noite do dia 12 para 13 de junho quando, com a igreja fechada, moças se posicionam defronte
à porta frontal e central da matriz, formulando o desejo de encontrar seu príncipe
encantado.
Em cada batida
na porta o diálogo com o santo, repetido três vezes:
- Toc. Toc.
Toc. Santo Antônio, Santo Antônio, se estais dormindo acorda. Se estais
acordado, responda pela boca de alguém o nome da pessoa com quem vou me casar.
Nas próximas
24 horas deve se ficar com orelhas em pé, captando as conversas dos outros para
ouvir o nome do futuro amado. Não vale diálogos de familiares ou amigas.
A mesma roupa e até peças íntimas
A sempre
lembrada Nair Ulysséa, estudiosa que foi das manifestações religiosas em nossa
cidade, em sua obra “Três Séculos na Matriz...”, relembra que muitos devotos na
Festa de Santo Antônio dos Anjos “prometiam assistir a todas as novenas, com a
mesma roupa, para conseguirem o que estavam pedindo ao Santo”.
Há quem fale
que algumas pessoas repetiam em todas as noites de trezenas as mesmas peças
íntimas.
Qué qué isso minha gente...
O que não se faz...
Qué qué isso minha gente...
O que não se faz...
E continua
dona Nair:
“Moças, ao
contrário, assistiam a todas as novenas, cada noite com um vestido novo, para
casar naquele ano.
Na procissão
do Santo, se o andor parasse diante de uma casa, é que casaria, naquele ano,
uma moça da família; se, porém, não houvesse moça casadoira na casa, morreria
uma pessoa ali residente”.
As três cartas das moças a Santo Antônio
Sobre promessas e esperanças de casamento, encontrei no jornal O Albor, de 13 de junho de 1908, páginas 2 e 3, com o título “Às vezes”, uma história pitoresca e contada de forma humorada.
Sobre promessas e esperanças de casamento, encontrei no jornal O Albor, de 13 de junho de 1908, páginas 2 e 3, com o título “Às vezes”, uma história pitoresca e contada de forma humorada.
Nela, sob o pseudônimo
de Bento Rosado, o articulista informa que recebia muitas cartas e cartões de
moças lagunenses “e algumas velhas”, pedindo que intercedesse junto aos
encarregados das festividades para que o Santo parasse defronte as suas casas.
Ele então
reproduz três cartas. A leitura é prazerosa e é bem provável que a história tenha
sido criada pela mente fértil do articulista. Mas poderia muito bem ter acontecido.
Vai saber.
Só atualizei a ortografia para melhor compreensão:
Às vezes
“Vai hoje
percorrer as ruas da cidade o Santo Antônio, nosso padroeiro.
Quantos
olhares ternos se dirigirão ao miraculoso santo!
Quantos lábios
rosados balbuciarão uma prece à sua passagem!
Quanta
esperança de um próximo casamento se aninhará no coração de minhas gentis
patrícias!
Fosse eu
rapaz, tomaria o encargo de, bem na cauda da procissão de hoje, observar sem me
denunciar, a posição contrita das mocinhas que desejam casar.
Esta, estará
de mãos postas, atirando olhares ternos para o céu e resmungando uma oração
adequada ao caso.
Àquela, de
joelhos, à passagem do andor, baterá no peito as três pancadas de mea culpa, repetindo: Casamento! Casamento!
Casamento!
Diziam os
nossos antepassados e afirmam os nossos contemporâneos que, é prenúncio de
muitos casamentos, a saída de Santo Antônio à rua.
Esta crença
está tão enraizada em nosso meio, que são inúmeros os cartões e cartas que me
tem sido dirigidos por diversas moças... e algumas velhas.
Pedem meus
bons ofícios junto ao encarregado da festividade, para obter a parada do Santo,
em frente às suas casas.
São em tão
grande número os pedidos que, para satisfazê-los todos seria preciso cinco dias
de procissão.
São dignas de
leitura algumas dessas missivas e, como não sou egoísta, vou publicar algumas,
para que o bom leitor as aprecie, guardando, só para mim, as suas assinaturas.
Não quero que
me taxem de indiscreto”.
Vamos às cartas:
“Caro sr. Bento,
Tenho dezoito anos e diz o meu espelho que não sou feia.
Não sou de toda desajeitada, porque minhas amigas afirmam que caminho
regularmente.
Nos bailes dizem os moços com quem danço que valso bem.
Sou católica.
Tenho ido regularmente às novenas, conduzindo, às vezes, uma
tocha.
No entanto, sr. Bento, não me tem aparecido um noivo.
Penso ser isto devido a nunca parar em frente à minha casa o andor
de Santo Antônio.
Pois bem, venho pedir-lhe o favor de obter esta graça. Se o
conseguir, muito lhe agradecerá a (xxxxx)”.
**********
“Simpático sr. Bento,
Tenho vinte anos. Não
sou magra nem gorda.
Olhos e cabelos pretos.
Nas faces claras, trago
sempre a vegetar duas rosas.
Meus lábios são duas
fitinhas rosadas.
Meus dentes, dentro de
minha boca pequenina, são um colar de pérolas.
Minhas mãos calçam
luvas letra A.
Meus pés acomodam-se
bem, num sapatinho 32.
Para completar minha
felicidade, preciso de um noivo que me compreenda.
Quero um moço que seja
meigo como o Joca Moreira, alto como o Neneco, e gordo como o Dudú, que use
pastinhas como o Manequinha, que seja elegante como o Joca Carvalho, que tenha
uma capa como o Pereira, enfim, um moço que reúna todas as qualidades boas.
Alcançarei isto, se o
sr. conseguir fazer parar em frente à minha casa, o andor do milagroso Santo
Antônio.
Ah! Como lhe agradecerá
a sua amiguinha (xxxxx)”.
**********
“Meu prezado sr. Bento
Rosado,
Nesta nossa terra, quem
mais faz, menos merece.
Meu pai, durante muitos
anos, foi encarregado da Festividade do Espírito Santo.
Ajudou sempre o Fragoso
a arrumar altares e enfeitar andores e, no entanto, nunca tive a dita de ver
parado em frente à minha porta, o andor de Santo Antônio Grande.
É um desaforo! Isto não
é privilégio de três ou quatro, é para todo filho de Deus!
Mas, vamos ao caso.
Estou com 50 anos.
Já tive sarampo,
catapora e bexigas, deixando-me estas, na face, o sinal de sua passagem.
Dizia minha mãe que
foram das tais de lixa. Estive envolvida em folhas de bananeiras e devo a minha
salvação no miraculoso chá de Jasmim de cachorro, que tomei em quantidade.
Não sou velha, pois,
não tenho cabelos brancos, nem pés de galinha.
Quero casar-me, seja
com quem for, moço ou velho, torto ou aleijado.
Até o senhor me serve.
Faça parar o andor em
frente ao meu ninho e venha falar comigo” (xxxxx).
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Cruz!
Olhe, minha
senhora, eu agradeço, muito penhorado, o seu oferecimento.
Não estou
resolvido a andar agarrado a um inverno chuvoso e frio.
Um conselho:
vá criar pintos.
Assinado:
Bento Rosado
Adorei. Não conhecia o toc toc na porta da igreja. Vou hoje.
ResponderExcluirRosangela Almeida
Quantas histórias sobre Santo Antônio. Dá um livro. Não sabia tanta coisa.
ResponderExcluirGeraldo de Jesus
Valmir, que outro belo resgate de nossas história e tradições. Muito bem.
ResponderExcluirEdison de Andrade Florianópolis
Realmente Valmir, 13 dias assistindo novenas com a mesma roupa íntima...
ResponderExcluirSerá que funcionava?
Será que alguém conseguiu alguém usando a mesma calcinha? Cruzes!
Márcia Gomes